Culto de Santo António

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ilho de ricos comerciantes portugueses, nascido em Lisboa, entre 1191 e 1195, cerca de 50 anos depois do nascimento da nação portuguesa e no decurso da reconquista cristã do território ao domínio muçulmano, recebeu no batismo o nome de Fernando Martins de Bulhões.


Vive os primeiros anos da sua vida a dois passos da Catedral de Lisboa, onde frequentou os primeiros estudos, nas aulas de Gramática, e próximo dali, a cerca de um quilómetro, fica o Mosteiro de São Vicente de Fora, dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho.

É com os cónegos da Sé de Lisboa que vence as barreiras do Trivium – gramática, retórica e dialética – e do Quatrivium – aritmética, geometria, música e astronomia, realizando, posteriormente, estudos em Direito Canónico, Filosofia e Teologia, em Coimbra. 

Em 1220, Fernando crê que será mais útil como evangelizador e troca a Ordem de Santo Agostinho pela de São Francisco, adotando o nome de António, sendo-lhe concedida imediata permissão para partir para o norte de África.

Viaja pelo norte de África e sul da Europa, preocupando-se com a pobreza e aliviando os que nela viviam, revelando dotes de oratória absolutamente extraordinários, interpelando os mais afortunados, atraindo multidões.

Foi depois para Itália, cidade de Messina, onde conheceu Francisco de Assis. Um dia, setembro de 1222, os Dominicanos convidaram os Franciscanos para participarem numa cerimónia e o superior do irmão António pede-lhe que suba ao púlpito e diga «tudo o que lhe seja sugerido pelo Espírito Santo».

As primeiras palavras foram simples, mas, em seguida, tornam-se firmes, seguras e convincentes, a ponto de impressionarem todos os presentes. A notícia deste facto percorreu toda a região e, em pouco tempo, António foi nomeado pregador oficial da Ordem de São Francisco.

O conhecimento profundo das Escrituras dava às suas palavras uma autoridade invulgar, lançando no coração de ouvintes raízes tão fundas, que a todos arrebatava e reconduzia à verdade, valendo-lhe o seu oficio de pregador o título de «Arca do Testamento». Em Bolonha fundou e dirigiu a primeira escola da Ordem Franciscana.

As suas biografias mais seguras, ocultam-nos pormenores acerca deste período da vida do pregador António, sendo que só no fim do século XIII, D. Jean Rigaud, bispo da Bretanha, procurou ordenar os factos lendários preenchendo as lacunas da vida do Santo, dos seus textos saindo a fama de Taumaturgo, que ficaram conhecidos com o nome de «Rigaldina».


São vários os milagres atribuídos ao Santo, sendo por isso, padroeiro de Portugal e da cidade de Lisboa, de barqueiros, náufragos e marinheiros, de pescadores e agricultores, de feirantes e animais, dos cavalos e burros, dos viajantes, dos pobres e oprimidos, das solteiras, grávidas e estéreis, dos namorados e do casamento, protetor dos lares e das famílias, da pureza e virgindade, advogado das almas, do purgatório, invocado para encontrar objetos perdidos e pessoas desaparecidas, ou a encontrar emprego e auxiliar nos problemas financeiros.

Dizem os biógrafos que os primeiros milagres surgem no dia do enterro, em Pádua. Nos dias seguintes, toda a gente se encaminha para o túmulo do bem-aventurado António, de pés descalços, a fim de obterem graças do céu por seu intermédio. «Acorrem os venezianos, apressam-se os tervisinos, notam-se pessoas de Vicenza, lombardos, eslavónios, da Aquileia, teutónicos, húngaros».

Este é o primeiro mapa do culto antoniano. O processo de canonização foi aberto no início de julho de 1231, ainda não tinha passado um mês da sua morte, ficando inscrito no catálogo dos Santos, pela bula da canonização Cum dicat Dominus, que manda celebrar a sua festa todos os anos, no dia 13 de junho.

A Portugal a fama da sua santidade só chegou depois da sua canonização. Mas conta-se que no mesmo dia em que o Papa Gregório IX canonizava Santo António em Itália, em Lisboa os sinos de toda a cidade tocaram, sem que ninguém os estivesse a tanger. Pouco tempo depois, a notícia chegou à capital portuguesa e a cidade dedicou a Santo António o Altar-mor da Catedral e começou a celebrar-se todos os anos com grande solenidade o dia 13 de junho.

Assim, durante os séculos XIII e XIV, Santo António é venerado em Lisboa, sua cidade natal e nalguns mosteiros portugueses dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, com os quais estudou e viveu, professando a mesma forma de vida, antes de se fazer Franciscano. É venerado também na diocese de Pádua e nas igrejas franciscanas, um pouco por todo o lado.

Encontra-se assim fundamento para que as celebrações dedicadas ao Santo se tornassem tão importantes e populares nas diversas localidades de Portugal, com especial relevo para a cidade de Lisboa, a sua terra natal.

O clero manteve a celebração da missa na igreja de Santo António e a procissão dedicada ao padroeiro de Lisboa, que continua a iniciar-se junto à Sé Patriarcal e que passa pelas antigas freguesias da Sé, São Miguel, Santo Estêvão, São Vicente, Santa Cruz do Castelo e São Tiago.

Em fins de 1231, com a saúde muito abalada, António retira-se para o castelo de Camposampiero, próximo de Pádua, onde escreve e revê os seus Sermões, dedicando longas horas à meditação espiritual.

Morre em Arcela, próximo de Pádua, a 13 de Junho de 1231 e é canonizado um ano mais tarde.
Durante muitos anos, a 15 de fevereiro e a 13 de junho, celebravam-se os dias de Santo António, sendo que, no inverno, assinalava-se a data da trasladação do corpo do Santo para a catedral de Pádua, e no verão, o dia da sua morte. 

É esta última que perdurará com as suas cerimónias religiosas, como as missas e procissão, às quais se juntam actividades profanas como as touradas no Terreiro do Paço, depois no Rossio e, finalmente, no Campo Pequeno. 

O culto de Santo António está repleto de símbolos, uns de ordem religiosa, outros de origem profana. 

Nos de ordem religiosa, temos o Livro que representa a fé, a sabedoria e o conhecimento das Escrituras, o Menino Jesus, que representa o amor a Deus Menino, mas igualmente o amor por todas as crianças e por todas as famílias, o Alforge, símbolo da mendicância própria dos franciscanos, que aqui juntavam as ofertas recebidas para as partilhar com os pobres, doentes e confrades, sem nada guardar para o dia seguinte,  o Lírio ou açucena, a flor branca, representando a pureza e a castidade.

A bênção do pão de Santo António e a sua distribuição aos pobres generaliza-se por todos os países, o que faz com que quase todas as representações do Santo feitas no século XX o apresentem com um Alforge de pão para distribuir aos pobres, embora conservem outros símbolos tradicionais.

Nos de origem profana, temos os Tronos, em que a acompanhar estas festas oficiais, decorriam nos bairros lisboetas demonstrações espontâneas de afeto para com o Santo, erguendo-se em sua honra numerosos tronos ornados com flores e longos pavios em redor da imagem do Padroeiro de Lisboa.

Muitas crianças passavam algumas manhãs ou tardes na angariação de «um tostãozinho pró Santo António», para comprar cera para os tronos ou para a aquisição de fogo-de-artifício.

A paixão popular por Santo António

Depois de ter dado a conhecer os seus dotes oratórios, António dedicou o resto da sua vida, quase sempre, à pregação popular, atraindo sobre si, a atenção de todo o povo. Três elementos explicam o seu sucesso: em primeiro lugar, o fascínio da sua santidade e autoridade moral; em segundo lugar, a extensão e profundidade da sua cultura, acompanhada por um invulgar poder de comunicação, segundo as regras da Retórica do seu tempo; e, em terceiro lugar, a sua magnífica figura física.

O testemunho da «Primeira Legenda» reforça a fama do pregador ímpar, dizendo que: «Homens de todas as condições, classes e idades alegravam-se de ter recebido dele ensinos apropriados à sua vida». «Vinham multidões quase inumeráveis de ambos os sexos das cidades, castelos e aldeias de à volta de Pádua, todos sequiosos de ouvir com a maior devoção a palavra de vida».

 Mais adiante: «Estavam presentes velhos, acorriam jovens, homens e mulheres, de todas as idades e condições, vestidos como se fossem religiosos, o próprio Bispo de Pádua e o seu clero». "Chegavam a reunir-se, para escutar o Santo, «perto de trinta mil homens», todos no mais respeitoso silêncio, de «ânimo suspenso e de orelha virada para aquele que falava». «Os negociantes fechavam o comércio e só o reabriam depois de terminada a pregação».


Devoção  em Portugal

Em Portugal, como em todo o mundo, considera-se Santo António extraordinário advogado das coisas perdidas. A devoção enraíza-se no poeta músico Frei Juliano de Espira, que cerca de 1235, compôs o ofício litúrgico de Santo António e nele deixa ler o célebre responsório: Si quaeris miracula (Se milagres quereis).

(...) Muitas fachadas das casas têm um painel de azulejos com a sua imagem. Como protetor das famílias, aparece dentro das casas, sobre pequenos altares, acompanhado de velas e flores. Nos estabelecimentos comerciais, é frequente encontrarmos o Santo, em lugar de destaque, dentro dos mercados, dos comércios, das farmácias, das padarias, drogarias, entre outros. Aqui ele vela pelos bons negócios dos seus proprietários.

 Entre os marinheiros portugueses, sobretudo os da região de Lisboa, tornou-se comum levarem uma imagem do Santo António na embarcação, para os proteger contra as forças marítimas, talvez, por ele ter sido vítima de uma tempestade, que o empurrou para as costas da Sicília. Em séculos passados, perante o perigo, ao mesmo tempo que o invocavam, esses marinheiros mergulhavam a sua imagem de cabeça para baixo, para serem mais rapidamente atendidos.

Portanto, todo o país conhece Santo António e ele está presente, de um modo geral, na vida eclesial, social e pessoal portuguesa, como patrono de Paróquias, Províncias Religiosas, casas religiosas, edifício públicos, casas particulares, avenidas, ruas, praças, terrenos agrícolas, embarcações, etc.

 A sua imagem figurava já numa coleção de selos de 1895, em comemoração do 7º centenário do seu nascimento e circulou em Portugal uma nota de 20 escudos, com o seu busto e a Casa-Igreja de Santo António, em Lisboa.


Muitas são também as pessoas que adotam o seu nome para batizarem os filhos, confiando-os à sua proteção durante toda a vida. Esta tendência criou raízes no século XVI, uma vez que, na Idade Média, o nome «António» era muito pouco utilizado.

Na região de influência do Mosteiro de Alcobaça, por exemplo, por o nome «António» passou a ser o nome masculino mais comum nesse tempo, surgindo também o antropónimo feminino, «Antónia», para as meninas. A este facto, não é alheia a transformação da casa dos pais de Santo António em Igreja, no século XV, o que a tornou imediatamente um lugar de peregrinação, não só para os lisboetas, mas, a pouco e pouco, para todo o país.

No terramoto de 1755, a Casa-Igreja de Santo António foi destruída, salvando-se apenas a imagem do Santo e a cripta, onde se conserva o lugar que dizem ter sido o quarto de Santo António. A reconstrução que se seguiu deu lugar à Basílica atual, que conserva uma passagem, através da sacristia, para o quarto do Santo, no piso inferior. (...) Em Lisboa, em paralelo com a relíquia, mais que a imagem do Santo, é venerado este espaço simbólico, de dimensões reduzidas. A esse local acorrem, durante todo o ano, milhares de peregrinos e turistas curiosos, vindos de todo o mundo.

A imagem de Santo António está presente em quase todas as igrejas portuguesas, as quais, quando o não têm como patrono, lhe dedicam um altar. Normalmente a festa do dia 13 de junho não é esquecida e onde não se criou essa tradição, a imagem do Santo é integrada nas procissões e festas principais das paróquias. (...)

O Profano

A parte profana das celebrações de Santo António é vasta e tem estendido a sua importância ao longo dos anos. 

Entre outras práticas, destacam-se quatro: a fogueira de Santo António; a queima da alcachofra; o manjerico com cravo de papel e quadra, a sardinha assada e as marchas populares, embora algumas tenham caído em desuso.

 A fogueira de Santo António remete para rituais de purificação pelo fogo, e o ato de passar por cima do fogo tem estabelecida essa associação de carácter simbólico.

Santo António é conhecido por ser um Santo Casamenteiro e assim, chamuscar-se ou queimar-se uma alcachofra na noite de Santo António pretendia verificar-se a viabilidade de um casamento, em que queimando-se a alcachofra e enterrando-se num vaso que ficaria na noite de Santo António, ao relento, o casamento estaria garantido se a flor reflorescesse na manhã seguinte, o que indicava a manifestação da presença do Santo.

Desde há um século a esta parte, Santo António tornou-se um especial advogado de bons casamentos, e como santo casamenteiro, não admira, pois, que a principal clientela de devotos de Santo António se recrute entre o elemento feminino: raparigas solteiras à espera de noivo, mulheres solteironas desesperadas para o encontrar, ou viúvas não querendo ficar esquecidas, e até as casadas, na esperança de fazerem voltar um marido infiel, ou afastar uma concorrente indesejável.

 A deduzir de afirmações de vários estudiosos, esta faceta de Santo António é exclusiva do mundo lusitano. Antigamente, quando uma moça queria encontrar um noivo, colocava o seu pedido num papel debaixo da imagem, que tinha no altar lá em casa. Se o Santo demorasse muito, ou se o noivo não lhe agradasse, virava o Santo para a parede, até que o noivo fosse o desejado.

O manjerico com cravo de papel e quadra, a erva dos namorados, é uma oferta do namorado, que tem associado o cheiro característico da planta.
Culto de Santo António Culto de Santo António Reviewed by Marta Rainier on maio 04, 2019 Rating: 5

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