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alheira é um enchido tradicional português que não encontra paralelo em mais nenhuma parte do mundo. A alheira é um enchido fumado em que os principais ingredientes são a carne e gordura de porco, a carne de aves (galinha e/ou peru), pão de trigo, o azeite e a banha, condimentados com sal, alho e colorau doce e/ou picante.
Podem ainda ser usados como ingredientes a carne de animais de caça, a carne de vaca e o salpicão e/ou o presunto envelhecidos.
É um enchido com formato de ferradura, cilíndrico, sendo o interior constituído por uma pasta fina na qual se apercebem pedaços de carne desfiadas e cujo invólucro é constituído por tripa natural, de vaca ou de porco.
A mais famosa das alheiras é a oriunda de Mirandela, na região de Trás-os-Montes, frequentemente considerada a de melhor qualidade, tendo sido nomeada uma das 7 Maravilhas da Gastronomia de Portugal.
Também há produção de alheiras, de grande qualidade, na raia norte (Vinhais), na raia Mirandesa e na zona de Montalegre, sendo as primeiras e as segundas algo distintas quanto ao sabor e quantidade de fumeiro que levam.
Por tradição, os fumeiros da raia norte levam mais fumo e mais vinho e alho do que os fumeiros da raia mirandesa, mais suaves e menos temperados.
Nos dias de hoje, a alheira é um dos elementos típicos da cozinha portuguesa e já é feita com carne de porco, carne de caça ou pode até ser vegetariana.
História da Alheira
A origem da alheira terá a sua parte de lenda, de evocação histórica e de realidade. Conta-se que terá sido criada por judeus que se diziam convertidos ao cristianismo mas que, em segredo, continuavam a seguir os costumes da sua religião judaica.
Em 1492, os reis castelhanos, Fernando II de Aragão e a mulher, a rainha Isabel de Castela, conquistam o último bastião mouro da Península Ibérica em Granada.
Sendo seguidores do catolicismo, os reis acreditavam que os judeus praticantes podiam incentivar aqueles que se tinham convertido ao cristianismo a regressarem à sua religião original e com eles aparece a sombra da Inquisição, criada para perseguir judeus no seu próprio reino.
A partir de 1496, milhares de judeus fogem de Espanha e procuram abrigo em Portugal, mas passado algum tempo encontram as mesmas restrições, primeiro com os ventos vindos de fora e depois quando no ano de 1536, a Inquisição se instala também em Portugal, sendo também foram forçados a converter-se.
Os judeus começaram a esconder-se e a formar comunidades em que se faziam passar por cristãos: escreviam em hebreu e fingiam rituais católicos para não levantar suspeitas.
Mas em Trás-os-Montes, o disfarce foi mais original.
Como o judaísmo proíbe o consumo da carne de porco, alguns dos supostamente recém convertidos teriam inventado um enchido em que a carne de porco era substituída pela carne de aves como peru ou galinha
Uma das principais maneiras que os membros da Inquisição tinham para descobrir os falsos cristãos era perceber se estes comiam carne de porco ou não e para os enganar os habitantes de Mirandela criaram um enchido de pão e frango, que se assemelhava aos tradicionais chouriços e farinheiras com carne suína.
E assim nasce a alheira.
A receita acabaria por se popularizar entre os cristãos, mas estes juntavam-lhe a omnipresente carne de porco.
Alheira de Mirandela
Desde 1996 que este enchido tem proteção de Especialidade Tradicional Garantida (ETG).
A Comissão Europeia classificou no dia 2 de Março de 2016 a Alheira de Mirandela como um produto de indicação geográfica protegida (IGP), considerando que se distingue de outros enchidos da mesma categoria pelo seu aroma e paladar e forma de preparação.
A Alheira de Mirandela só pode ser produzida no concelho de origem, uma ambição antiga dos produtores locais que se concretiza com a atribuição de Indicação Geográfica Protegida ao enchido tradicional.
O uso da menção Produto Específico obriga a que o enchido seja produzida de acordo com as regras estipuladas no caderno de especificações, o qual inclui, designadamente, o processo de produção.
Os ingredientes são compostos por 60% de carnes, entre as quais o porco Bísaro (raça autóctone), azeite de Trás-os-Montes DOP e o característico pão de trigo regional.
Descrição: A Alheira de Mirandela IGP é um enchido fumado em forma de ferradura, de cor castanho-amarelada, com aproximadamente 25 cm de comprimento e 3 cm de diâmetro, e peso compreendido entre 150 e 200 g.
É obtida a partir de carne de porco de raça Bisara (ou do seu cruzamento com outras raças, desde que com 50% de raça Bísara), carne de aves, carne de animais de caça (facultativo), pão regional de trigo, banha de porco e azeite de Trás-os-Montes DOP, ou similar, condimentados com sal, alho e colorau. O interior apresenta uma textura heterogénea e é constituído por uma pasta fina e grumosa, na qual se apercebem pedaços de carnes desfiadas.
Método de produção: Após cortadas, as carnes de porco e de aves condimentadas são cozidas em água. O pão é cortado em fatias finas procedendo-se ao seu amolecimento na calda da cozedura. A esta massa juntam-se os restantes condimentos e as carnes desfiadas procedendo-se ao enchimento da tripa natural de vaca salgada cujas extremidades são ligadas por um fio de algodão. As alheiras são então submetidas a uma fumagem em lume brando, com lenha da região (carvalho e oliveira) durante aproximadamente 8 dias.
Características particulares: O clima da região, as técnicas de fabrico da Alheira de Mirandela relacionam-se com o uso do pão regional de trigo, amassado e cozido especialmente para a Alheira de Mirandela IGP, cujo segredo de fabrico permaneceu inalterado ao longo de gerações de padeiros transmontanos, o seu aroma e paladar levemente fumado, o seu sabor a alho e a azeite picante e frutado do azeite utilizado e a textura heterogénea da massa onde são bem visíveis os pedaços de carne, fazem com que este enchido se distinga dos seus congéneres. Também os condimentos utilizados e o tempo de fumagem e maturação conferem a cor, o sabor e o aroma característicos da Alheira de Mirandela IGP que a tornam distinta.
Área de produção: A área geográfica de produção da Alheira de Mirandela IGP está circunscrita ao concelho de Mirandela.
História: A história e as caraterísticas da Alheira de Mirandela são referência da imprensa local pelo menos desde 1957, que a identificam como uma especialidade da terra fabricada em regime de indústria caseira. A notoriedade da Alheira de Mirandela IGP, sempre esteve associada à sua área geográfica de produção, como comprovado pelo artigo da edição do Notícias de Mirandela de 29 de maio de 1960 que denunciava à época a imitação noutras áreas geográficas das «Autênticas Alheiras de Mirandela», e da necessidade de travar os abusos, apelando a «um registo para as denominações locais ou regionais que se teriam de respeitar».
Como é consumida
A alheira pode ser assada, como em carvão, frita ou cozida. O mais comum é serem fritas em azeite e servidas com legumes cozidos. Mas também podem ser estufadas, depois de envolvidas em couve lombarda.
Na região de origem a norte de Portugal (Trás-os-Montes) a alheira é consumida grelhada, ou assada em lume brando, acompanhada por batata cozida com um fio de azeite, e legumes da época variados.
Mais a sul o mais natural é encontrar os menus com a alheira frita, batatas fritas, ovo estrelado e saladas de alface e tomate. Por vezes, é também acompanhada por grelos de couve ou de nabiça. É uma presença habitual nas ementas dos restaurantes de todo o país.
Atualmente começa a aparecer como aperitivo, servida com fatias de pão e cerveja fresca. Ou então com um bom vinho português.
Alheira de Mirandela
Reviewed by Marta Rainier
on
abril 30, 2021
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